quarta-feira, 28 de novembro de 2012

66 - Errado estou eu...

Enquanto a gente diz que ela é a razão de viver, ela está preocupada com os milímetros que sobram entre o cotovelo e a axila.

Culpa da televisão, culpa das capas das revistas.

Vendem um padrão inatingível, semeiam uma imagem que não existe, que não é humana. Um padrão de beleza que só é possível em meio a filtros, brushes e layers de um photoshop.

No meio da caminho, perdem o poder da interpretação. É oferecida uma poesia, preocupam-se com o papel. É oferecida uma música, preocupam-se com o violão. É oferecido um amor, preocupam-se com as amigas.

Mulheres, esqueçam os comerciais. A economia só existe por causa de vocês. Do jeito que são.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

65 - Feliz ano novo

No dia 27 de novembro foi gravado o "Show da Virada". Artistas do gabarito de Thiaguinho, Aviões do Forró, Belo e Mc Coringa, gravaram, em plena terça-feira, o show que será exibido no dia 31 de dezembro pela rede Globo.

Que a emissora trata todo o telespectador como otário, não é novidade alguma.

O que é interessante ressaltar é que o artista tem que, das duas uma, ou ser muito cara de pau, ou ser muito artista mesmo, para conseguir convencer alguém de que está comemorando o ano novo em uma terça-feira do mês de novembro.

Na verdade, são todos cretinos.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

64 - A linda


Dissertávamos verbalmente sobre “a linda”.

“A linda” não é a mais gostosa, sequer é a mais bonita. Mas “a linda” será sempre a mais linda. Definitivamente não há espaço para duas “lindas” no mesmo recinto.  Existe “a linda” e existem as outras.

“A linda” tem um quê de metafísico, algo que é difícil explicar, mas é fácil notar, é possível sentir. Uma coisa que deixa o ar mais leve, o clima mais amenos, os sonhos mais possíveis, mais gostosos.

“A linda” é bonita e é gostosa. E se as feias desculparam Vinícius de Morais, que façam o mesmo por mim, mas mesmo não precisando ser necessariamente a mais bonita, beleza é fundamental “à linda”.

“A linda” é capaz de fazer um homem apaixonar-se em segundos. Ele planeja igreja, filhos, cachorros, netos.  E planeja, é claro, muito sexo. Pois “a linda” é sempre sensual, embora não necessite ser sexual. Os feromônios da “linda” são abundantes e exalam por todos os poros, mas ela faz isso de um jeito tão desinteressado e displicente, que é exatamente isso que a torna tão atraente, tão “linda”.

“A linda”, ao fim de tudo, é a razão de se viver. Vivemos em um mundo cretino. E apenas uma “linda” é capaz de colorir essa realidade tão cinza.

E sabe o que é melhor do que identificar uma “linda”? É ter uma só pra você.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

63 - Não foi dessa vez


- Tá, mas eu só queria saber o porquê. Por quê?

- Porque não. Pronto. Porque não.

- Mas e desde quando isso é resposta? Depois de um ano de idade esse tipo de resposta não vale mais.

- Ah, pera aí, com um ano de idade a criança nem fala ainda.

- Sei lá, depois dos três anos.

- Com três anos nem se usa da argum...

- Não, para com isso. A gente não tá conversando sobre isso. O assunto é outro, não tenta desvirtuar.

- Bom, mas por mim a gente pode mudar de assunto, pois esse está decidido. É não e pronto. Ponto.

- Mas pra ti é um problema a gente falar sobre isso? Sinceramente eu acho que se é um problema pra ti falares sobre isso é porque tem um problema muito maior por trás.

- Não, não é problema nenhum pra eu falar sobre isso, mas a resposta não vai mudar; e se a resposta não vai mudar, não tem o que conversar.

- Mas aí é que tá, a gente não tá discutindo pra resposta mudar, eu só estou querendo entender o motivo pelo qual a resposta não vai mudar. Tem que ter um motivo. Senão eu vou achar que é um capricho teu só pra me sacanear.

- Não tem nada de capricho, é só uma questão de... Uma questão de...

- Aí! Tá vendo? Já tá gaguejando. Não gagueja, quero ver. Responde, sem gaguejar.

- Não estou gaguejando.

- A gente namora há cinco anos. Eu sempre respeitei, mas agora a gente chegou num momento quê...

- Que o quê?

- A gente não está namorando só de sacanagem. Provavelmente a gente vai morar junto, viver junto, ficar juntos por...

- Casar?  A gente vai casar?

- É. Pode ser, isso aí. E se a gente vai, esse tipo de situação tem que ser resolvido. E a gente resolve assim, conversando.

- A gente vai o quê?

- Isso. Isso que você falou.

- Mas fala você.

- Ahh, para. Isso aí.

- Tu tem dificuldade é? Fala. Se tu não falar com todas as letras não tem nem mais assunto.

- Casar. Tá bom assim? A gente vai casar, e, se casados formos, a gente tem que ter essa situação muito bem resolvida.

- Mas já está resolvida. Na verdade, a gente já falou muito sobre isso. Tu sempre vens com esse papo furado.

- Não, a gente não fala. Eu peço e você diz que não. Resume-se a isso.

- Dói. É porque dói.

- Tá bom. Dói. Mas que eu saiba você nunca deu.

- Nunca dei.

- Então tem que experimentar pra saber se dói ou não.

- Eu não disse que nunca experimentei, eu disse que nunca dei.

- Ah não. Como assim? Já experimentou, mas nunca deu? Isso não existe. Tu deu pra quem?

 - Não, nunca dei.

- E que papo é esse de “já experimentou”? Porque, tecnicamente, se um pau já entrou ali, você já deu.

- Entrou, mas foi sem querer. E se foi sem querer não fui eu quem dei. E se queres saber, doeu e doeu 
muito.

- Mas como que entrou? Estavas dormindo?

- Ah é, estava, estava dormindo. Lógico que não. Entrou sem querer.

- Então tá aí. Explicado o motivo do teu trauma. Entrou sem tu estares com vontade, sem estar pronta. Sem estar preparada. Sem estar relaxada. É isso. Na verdade pode-se dizer que você foi arrombada.

- O que é isso? Então tu queres comer o meu cu e vem dizer que eu sou arrombada?

- Fala baixo.

- Fala baixo não. Sério, era só o que me faltava, eu venho contigo em um puta restaurante chique, a gente tomando um vinho e, além de só querer falar de cu, tu ainda me chama de arrombada.

- Amor, não viaja. Tu sabes que eu te amo. Eu jamais falaria isso. O que eu estou querendo dizer é que o que aconteceu, é como se fosse o arrombamento de uma porta. Sabe, se eu quiser entrar em uma porta fechada eu tenho que colocar a chave na fechadura, girar com calma, colocar a mão na maçaneta, abrir a porta e, só então, entrar. Se eu chego simplesmente passando por cima da porta, com tudo, a porta vai cair, estourar, arrombar. Tu consegues observar como comer um cu, e entrar em uma porta podem ser situações semelhantes? E digo mais, tem também o lance do...

- Não. Tu não vai me convencer.

- Quando tu fazes cocô, dói?

- Lógico que não.

- E eu duvido que tu nunca tenha feito um cocô mais grosso que o meu pau.

- Ahhh, não. Eu não acredito!!!

- É sério, é só pra ilustrar que o cu, diametralmente falando, fisiologicamente falando, também está preparado. É só fazer com calma. Tu não vês tanta atriz pornô ganhando a vida dando o cu? Tem que parar com esse lance de achar que o cu é algo pejorativo. Tem filme que a atriz da o cu pra dois caras ao mesmo tempo.

- Ao mesmo tempo?

- É, ao mesmo tempo.

- Montagem.

- Que montagem? Tá de sacanagem? Como que o cara vai fazer montagem de dois paus entrando em um cu?

- Como não? Os caras explodem o mundo inteiro no cinema, cortam a cabeça, viajam pra marte e não vão conseguir efeitos especiais para enfiar dois paus em um cu? Isso é ridículo de fácil.

- Não viaja, filme pornô tem orçamento muito baixo e... Espera aí, não vamos sair do foco. Foda-se se é efeito o não. Fodam-se as atrizes pornô, foda-se o Spielberg. O papo aqui é o seu cu e o meu pau. O seu cu no meu pau. Isso não pode ser tabu. Tem que estar no dia a dia do casal, tem que...

- Mas nem que a vaca tussa que tu vai comer o meu cu todo dia. Mas nem sonha com uma coisa dessas.

- Eu não disse que quero comer o teu cu todo dia. A única coisa que eu quero é fazer uma vez. Uma vezinha só. Depois de fazer uma vez, tu diz se gosta ou não e daí a gente segue essa conversa.

- Não.

- No meu aniversário?

- Não.

- Lua de mel?

- Ah, mas quem disse que não ia querer lua de mel?

- Então tá combinado. A gente faz uma lua de mel e lá tu dá pra mim.

- ...

- Combinado.

- ...

- Sério. Combinado.

- Mas por que tu queres fazer uma coisa que eu não quero.

- Não queres?!?!?! Mas e quando eu coloco a língua tu não gosta?

- Tá, mas agora tu queres comparar  o teu pau com a tua língua?

-Não, eu não estou comparando. Mas é para entenderes que se tu gosta de uma linguada ali é porque tu vai gostar mais ainda quando for o pau. Tem terminações nervosas. É que nem na bucet...

- Ai não, buceta não.

- Eu ia falar bucetinha.

- Fala baixo.

- Bucetinha pode?

- Não.

- Tá, é que nem na perereca. Tu gosta quando eu coloco a língua, mas o bom mesmo é quando o pau entra.

- Ai, que vulgar.

- Ah, espera aí. Eu estou falando um assunto muito sério com a minha namorada. Não queres que eu fale igual professor primário. Pênis, vagina, orifício, cavidade...

- Mas então fala baixo.

- Imagina, se Deus é tão perfeito, por que tu achas que ele ia fazer o cu milimétricamente do tamanho ideal para receber um pau? Porque Deus não ia imaginar, que tão pertinho um do outro o cara não ia ter a ideia. Se o cu não fosse pra comer, Deus faria, sei lá, o cu muito grande. Ou muito pequeno. Ou bem longe da buceta, sei lá.

- Ué, tu não é um ateu tão convicto.

- Tá, esquece Deus. Sendo a evolução, tão perfeita... Deve ser isso. Ao longo da evolução da humanidade só restaram aquelas mulheres que tinham o cu mais ou menos do diâmetro do pau dos homens. Só os casais que conjugavam dos prazeres do sexo anal que foram considerados aptos para evoluir.


- Quanta besteira.

- Tá bom. Mas então, na lua de mel?

- Agora tu só quer lua de mel pra ficar comendo o meu cu.

- Primeiro, eu não quero “ficar comendo o teu cu”. Quero comer uma vez, depois o papo é outro.

- Não.

- O Sérgio, sabe o Sérgio? A namorada dele disse que ia dar na lua de mel, e no primeiro aniversário de namoro ela deu.

- Come o cu dela então.

- ...

- Olha, o Sergio é o Sérgio, tu és tu, e o cu da namorada do Sérgio é o cu da namorada do Sérgio.

- Não. Sério, é um absurdo. Tu sendo minha esposa, e eu com a frustração sexual de nunca ter comido um cu. Aposto que isso não é saudável. Olha Freud, pode ver lá. Homem com frustração de não ter comido um cu só pode dar merda.

- Acho que tu que tens que procurar Freud. Essa tua fixação não é normal.

- É serio, imagina eu andando de mão dada contigo na rua e o cara apontando: olha lá aquela garota, eu já comi o cu. E o babacão do namorado aqui batendo punheta pensando no teu cu.

- Ninguém vai dizer isso porque eu nunca dei.

- Ah tá. E o cara que meteu sem querer? Homem não tem dessa não. O pau entrou no cu, mesmo sem querer já é um cuzinho na conta.

- É isso que tu queres né? Colocar um cuzinho na conta.

- Não. Eu não quero colocar mais um cuzinho na conta, eu quero colocar um cuzinho na conta...

- Ui, que nojo. Duvido que tu nunca tenha feito.

- Não fiz. Nunca fiz. E se você não colaborar eu nunca vou fazer e vou ser frustrado pro resto da vida. Capaz de dar uma depressão bem grande e daí, nem se tu quiseres dar, eu vou conseguir.

- Ahh, que bom. Porque eu nunca, nunca, nunca vou querer dar. Logo, tu não precisas te preocupar com isso.

- Tu não entendes. Eu só quero ter o prazer de desfrutar esse momento contigo. É como se fosse a minha virgindade, sabe? Um momento bonito, só nosso. E tenho certeza que tu vai ter prazer também.

- Como tu sabes que eu vou ter prazer, tu já deu o teu?

- Tá maluca? Não tu só podes estar de sacanagem comigo. Eu não sei se você percebeu, mas eu estou 
falando sério contigo.

- Então tá, então eu vou te dizer o que eu acho. Se é pra falar sério, vamos falar sério. Acho que essa fixação por cu é vontade tua de dar o teu. Tu não estava falando em Freud? Então...

- ...

- Que foi? Não era pra falar sério.

- Olha, eu acho uma infantilidade tua isso que você tá fazendo. Eu sou viado então porque quero comer o teu cu?

- Não é por isso, é a fixação.

- AHHHH TÁ! Eu sempre quis comer o teu cu. A primeira vez que a gente transou eu quis, a segunda vez que a gente transou eu quis. TODAS as vezes que a gente transou, eu quis. Eu bato punheta esmagando o meu pau, com a mão bem fechadinha, imaginando que to comendo teu cu. Faz cinco anos que eu quero isso. E agora tu vens me dizer que eu to querendo dar a bunda? Isso só pode ser sacanagem.

- Esmagando a mão?

- É.

- Como assim?

- Eu quando seguro o pau, aperto bem. Deixo a mão bem apertada.

- ...

- Pra simular o cu, bem apertadinho.

- É por isso?

- Isso o quê?

- Tu achas que eu não sou apertadinha?

- Lógico que não. Não é isso amor. Eu adoro a tua buce...

- Buceta não!

- ... a tua pererequinha. Eu adoro ela, eu me delicio nela. Acho ela uma delícia, cheirosa, gostosa, molhada. Eu amo ela, toda vez que vejo da vontade de cheirar, lamber, tocar, esfregar o p...

- Ai... Para que eu vou ficar com vontade.

- Mas eu também tenho vontade de lamber, tocar, cheirar o teu cu.

- Ahh, já broxei. Lamber cu, cheirar cu? Isso não é nada excitante. Sei lá, cu me lembra cocô. Remete a sujeira.

- Bom, só se tu não limpa direito o teu. Daí realmente eu não posso fazer nada.

- Nem vem, eu limpo muito bem. Se eu não limpasse tu não ia adorar lamber.

- E se dar o cu não fosse bom, tu não ia adorar que eu lambesse.

-COF! COF!
Era o garçom, dando uma tossida constrangida. Quando o casal percebeu, só restavam eles no restaurante.

- É que a cozinha está fechando, vocês querem fazer mais algum pedido?

- Não, não. Obrigado. Pode trazer a conta.

- Pois não.

O garçom afastou-se, e o casal olhou-se. Sorriram. Não falaram nada, mas pensaram juntos. Será que estavam os garçons estavam escutando a conversa?

Pagaram a conta e foram embora. Ele na certeza de que, se ouviram o papo, os garçons torciam por ele. Ela na certeza de que não iria dar o cu. Não aquela noite.




62 - Era sacanagem

A conta acusava.

Três mil quinhentos e setenta e seis reais e vinte e nove centavos.

Três camisetas, uma calça e duas outras peças que aqueles que não acompanham a moda não se arriscariam a nomear.

- Crédito ou débito?

- Crédito!

[...]

- Milhas.

- Hãn?

- Milhas.

Por um momento ele pensou que a vendedora pudesse achar que ele não tinha saldo suficiente para quitar a compra. Por isso teria escolhido a opção crédito. Assim poderia fazer o pagamento mínimo do cartão, e saldar a fatura em suaves prestações mensais.

A ideia de que essa hipótese passasse pela cabeça da antipática vendedora o afligiu, o envergonhou profundamente.

Isso motivou a justificativa:

- Milhas.

A vendedora, indiferente, seguiu o processo mecânico. Apertou o três, o zero, o sete, o seis, o dois, o nove. Ofereceu a maquininha de maneira robótica.

- Senha.

Ele digitou a senha. Os dois primeiros números do aniversário de uma ex-namorada, o mês em que nasceu, e o ano do título brasileiro do seu clube do coração. Dois, seis, um, zero, nove, cinco.

Aprovado.

Ao sair da loja, era pra ele estar feliz. Havia feito compras e essa felicidade deveria durar ao menos até sair do estacionamento do shopping. Mas isso não aconteceu. Era difícil descrever qual era o sentimento, mas era fácil perceber que não era felicidade.

Com certeza a garota que o convenceu a comprar aquele pedaço de pano ridículo - e caríssimo - agora estava reunida com todos os colegas da loja falando sobre o babaca que, antes da metade do mês, era obrigado a comprar a crédito. Era vergonha, mas não era só vergonha. Era mais que vergonha, ou, então, era uma vergonha maximizada. Uma vergonha que atava a garganta. O mundo, outrora macro, havia se tornado micro.

Chegou em casa e sequer cumprimentou o porteiro. A sacola de compras ficou a repousar no banco do carona.Subiu as escadas decidido, abriu a porta do apartamento e se dirigiu à janela. A vergonha intensa só não o fez vomitar porque havia um nó que fechava a garganta. Mergulhou. O mergulho decidido dos suicidas. Sequer olhou pra baixo, apenas mergulhou. O corpo girou duas vezes em torno do próprio eixo antes do impacto.

Foi um prato cheio para o noticiário. A imprensa do país inteiro repercutiu o caso. Em menos de 24h uma jornalista de um canal asiático e um repórter de um tabloide inglês desembarcavam no país.

O corpo não havia se espatifado no chão. Antes do cimento, atingiu em cheio uma senhora que passeava com seu casal de netinhos recém-nascidos. Gêmeos.

O saldo?

Três mortes, dois braços quebrados, uma clavícula partida, uma fratura femural exposta, 9 dentes caídos no esgoto.

E uma fatura de três mil quinhentos e setenta e seis reais e vinte e nove centavos para quitar.




61

Como diria o poeta: A arte existe porque a vida não basta.

--

TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Ferreira Gullar

60 - In. Perfeita

A imagem da televisão era tão perfeita que até assustava.
Toda tecnologia presente. Fina como folha de papel, três dimensões, LED, light. Muitas polegadas.

Era só apertar ON. Perfeita.

A imagem era só ação. O herói - ou vilão - decapitava corpos com sua espada. Seus golpes eram rápidos, velozes. Um, dois, três. E cabeças rolavam pelo chão. Quatro, cinco, seis. Pernas e braços desprendiam-se dos troncos. A explosão foi tão poderosa que a temperatura do local esquentou, a vitrine embaçou.

Imagem perfeita a do aparelho. O horror que se passava na tela era, de fato, horroroso.

Foi impossível não pensar.

Se a tecnologia fosse capaz de tornar a emoção tão emocionante quanto o horror era horroroso, ponto positivo. IN. Perfeita.


quinta-feira, 27 de setembro de 2012

59 - Deixados pra trás

Quinhentos e trinta e sete amigos. Não era pouca coisa, logo a decisão não era fácil. Tudo bem que o facebook não tem muito critério. Conhecido, colega, parceiro, camarada, parente, professor, sogra e até ex-amigo. Pro facebook não tem erro, vira tudo amigo.

Não era algo que eu pudesse fazer sem pensar.

Meu suicídio virtual poderia fazer com que eu jamais voltasse a ver as fotos dos pratos que a minha prima de terceiro grau que eu não vejo desde 1993 - e não sinto falta - preparava.

Talvez eu nunca mais tivesse a inspiração dos momentos de sabedoria do Louro José que a minha ex-vizinha da casa de praia, vendida em 1998, adorava compartilhar.

Eu provavelmente não iria mais me deparar com a clara realidade de que, sim, minha ex-namorada é uma garota fútil.

A ausência do facebook certamente iria me impedir de participar dos entusiasmantes protestos virtuais. Eu ficaria de mãos atadas e nada poderia fazer pelos monges da Birmânia, pelos cachorros maltratados. A primavera árabe, definitivamente, perderia um guerreiro.

O suicídio virtual era uma opção extrema, uma fuga. Eu não podia me precipitar. Tinha muito que pensar.

E pensei.

E morri.

E hoje, vivo muito melhor.

58 - De índio?

O cara me avisou, era programa de índio.

Quando estava lá eu vi a tribo reunida. Homens com cabelos espetados, mulheres com suas pinturas de guerra. Os rituais eram os mesmos, garrafas nas mãos, cinturas no chão. A luz era baixa, a música alta, o gosto péssimo.

Refleti...

Que índio em sã consciência passaria uma noite linda como aquela trancado em um ambiente onde uma dupla sertaneja desafinava os últimos sucessos das baladas universitárias? Um lugar onde a urbanidade dos homens descia na mesma medida em que a vulgaridade das mulheres subia.

Cervejas e mais cervejas eram necessárias para evitar o surto esquizofrênico. Eu acompanhava os passos da pista, batendo com os pés no chão para não sucumbir à vontade de bater com a cabeça na parede.

Ao sair do local, respirar ar puro, e dar um descanso aos ouvidos eu garanti a mim mesmo, o próximo programa de índio eu só vou se for convidado por um índio de verdade - de cocar na cabeça.

Um programa de índio jamais poderia ser tão ruim quanto o que eu acabara de enfrentar.

57 - TEMpo.

O tempo.

O tempo é talvez o mais raro ativo existente na modernidade.

O tempo é paradoxo, ninguém o tem, mas estamos sempre o desperdiçando. Ao mesmo tempo tão escasso, sempre presente, sempre chegando, sempre passando. Indiferente, não se importa conosco, com nossas prioridades, necessidades. Tempo posto, logo reposto. Calmo, sem pressa, jamais se agonia, jamais se acelera.

Não temos uma hora para a família, um minuto para os amigos, um segundo para nós mesmos.

O que me preocupa é que o tempo não se recupera, o que passou já era; o que está pra vir, não espera; o que chegou, não para.

O tempo é democrático, igual para todos. Pobres, ricos, famintos, gulosos. Horas, minutos, dias, semanas, milésimos, segundos.

Não acredito que o problema seja desperdiçar o tempo.  O problema é o que deixamos de fazer com o tempo que não temos mais.

O dia em que soubermos respeitar o tempo, sobrará tempo para pensarmos melhor sobre o tempo.






quarta-feira, 15 de agosto de 2012

56 - Acabou

Acabaram as olimpíadas e eu não vi. 

Não vi o Brasil ganhar, não vi o Brasil perder, tampouco empatar. 

Não vi o Brasil se emocionar, não vi o Brasil se superar, não vi o Brasil chorar, não vi o Brasil triunfar, não vi o Brasil decepcionar. 

Simplesmente não vi.

Não vi o futebol, não vi o vôlei, não vi o atletismo, não vi a natação, não vi o tiro-ao-alvo, não vi a ginástica olímpica. 

Até ouvi falar de uma coisinha aqui, de uma medalhinha ali e de um vexamezinho acolá. Mas ver, não vi.

Não vi e não senti. Não senti nenhuma falta. 

E se tivesse visto também não teria sentido. Nenhuma emoção. 

Não ver em Londres é fácil. Quero ver não ver quando for aqui.

Vou fugir, rumo à estrela mais próxima. Vou ver a lua, de prata; o sol, de ouro.




55 - Otário

Por que o consumidor é sempre tratado como otário?

Porque, se não é, age como tal.

54 - Pirou

“Desce um combo de red e uma garrafa de tequila
Que hoje eu to pagando pra você e sua amiga
Aí as mina pira, e vai pirar
Quando eu falar que eu sou amigo do Neymar,
Que meu cartão é sem limite, hoje o bicho vai pegar
Aí as mina pira, e vai pirar..

Ai, ai, aiaiaiaiaiai ai, ai, aiaiaiaiaiai, ai, ai, ai
As mina pira no papai”

“As mina pira” da dupla Cacio e Marcos, sucesso nas baladas universitárias.



O horário certo eu não lembro, mas era por volta do meio-dia. O carro era uma saveiro branca, ano 2003 ou 2004. Foi em frente a uma escola municipal. Um adesivo gigantesco preenchia toda a traseira do automóvel, “as mina pira” dizia o plástico.

O que chamou a minha atenção foi a música que saía do poderoso sistema de som do carro, tal qual uma bomba, fazia o ar vibrar. Mas o que chamou mesmo a atenção não foi o volume, ensurdecedor, foi o conteúdo. A julgar pela quantidade de garotas que rodeavam o adolescente, 18 ou 19 anos, e seu veículo, acredito que o “combo” extravagância + mau gosto esteja fazendo sucesso pelas bandas de cá.

Confesso que tive vontade de ficar para observar se a música estava no “repeat”. Achei que seria muita coincidência eu estar passando bem na hora em que tocava exatamente o refrão que havia sido escolhido para adornar a lataria do carro. O medo de acabar também “pirando” foi maior, e segui meu caminho.

Essa música é o reflexo de uma juventude carente de idéias e referências, uma juventude cega, surda e, principalmente, muda.

Ao considerar que há alguns anos a juventude paquerava ao som de Roda Viva do Chico Buarque, eu chego a uma conclusão: não foram só as “mina” que piraram.


“A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva 
E carrega a roseira pra lá..."

"Roda Viva" de Chico Buarque, 3ª colocada no Festival da Música Brasileira em 1967.





terça-feira, 7 de agosto de 2012

53 - Todo o peso do mundo

Eu sinto todo o peso do mundo sobre os ombros. Dei-me conta, o futuro é como o horizonte, um logo ali que nunca chega. Enquanto isso os cabelos ficando brancos, a pele seca, a orelha que não para de crescer. O futuro é logo ali, falta apenas um livro a estudar, uma conta pra pagar e um mundo pra mudar. Preciso acabar com a miséria, lavar a roupa e secar o chão. Quero ainda meditar e pagar o aluguel, venceu segunda-feira. Seria bom, antes que o futuro chegasse, que os conflitos se resolvessem, que a paz - interior - se instaurasse. Preciso ainda aprender a falar francês, conhecer Pessoa e educar um filho. Nesse meio tempo, se der tempo, parar de perder tempo. Os pés no chão e todo o peso do mundo sobre os ombros. Os braços livres e o seu abraço, a minha boca, a sua língua. O nosso beijo. E o futuro chega, eu sento no horizonte. Todo o peso do mundo é tão leve com você. ;)

52 - Produtos!

Tenho certeza de que vivo em um mundo injusto. Todas as certezas absolutas não valem absolutamente nada em um mundo péssimo, tenho certeza. Mas, mesmo assim, me arrisco.

O mundo é cruel, vil, invejoso, amargo, hipócrita, mentiroso, frouxo, doente, covarde, bandido, inescrupuloso. Sim, péssimo.

Toda tecnologia do mundo está disponível, terabytes de informação viajando na velocidade da luz e não somos capazes de discutir os problemas mais fundamentais da nossa existência.Em algum momento o mundo desistiu de pensar.

Nossas cabeças servem cada vez mais de suporte para os óculos da moda, os chapéus da estação e, cada vez menos, para refletir, questionar, criticar.

Nos tornamos tão incapazes de lidar com interrogações que apelamos às exclamações químicas. Haja prozac para um mundo tão deprimido, tão deprimente.

Como seres humanos levamos milhares de anos para passarmos de coletores a produtores, mais um bocado e nos tornamos consumidores. Hoje somos meros produtos. Nossa vitrine é o facebook, nosso corpo o cabide. O slogan veio pronto.

Nossa condição de "produto" não nos permite vacilar em um mercado competitivo, o risco de ficar obsoleto e esquecido em uma prateleira de liquidação soa como pesadelo para maioria de nós. Assim, somos todos ao mesmo tempo em que não somos ninguém.

O filósofo John Locke defendeu a tese de que, ao nascer, somos uma "folha em branco", o que escrevíamos nessa folha, através das experiências, formaria o nosso "eu".

Desistimos de escrever.

Como produtos, aceitamos que nossa folha seja escrita, apagada, reescrita, rabiscada; tudo de acordo com a ilógica lógica de um mercado que produz em série.

As mulheres se preocupam com botox e com o tamanho dos seios. Os homens com as etiquetas de suas blusas. Tudo isso ao mesmo tempo em que o modelo dos carros que dirigimos pode dizer algo sobre quem somos.

Creio que essa preocupação em se vender afastou o ser humano de suas questões mais relevantes, dos problemas fundamentais. Não nos perguntamos o que somos, queremos apenas saber o que temos. Nos matamos em guerras que servem apenas para... (?!?!?!) Para que servem as guerras mesmo?!?

O ato mais revolucionário que um ser humano pode ter é reaver para si o pensamento crítico.

Não precisamos ter pressa em mudar o mundo mas, ao menos, não podemos ter dúvida, precisamos construir um mundo menos descartável.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

51 - E não é que é?

Esse blog é melhor do que eu imaginava. .

sábado, 25 de fevereiro de 2012

50 - Privacidade

A mocinha passou uns 60 dias na casa do Big Brother Brasil. Quando sai perguntaram sobre as relações sexuais que ela teve lá dentro.

Ela se sai com a pérola:

"Não tento e nem quero agradar a todo mundo. Só não abro mão da minha privacidade. Quero sempre ter a minha privacidade."

Vale a pena repetir.

A mocinha passou uns 60 dias na casa do Big Brother Brasil. Quando sai perguntaram sobre as relações sexuais que ela teve lá dentro.

Ela se sai com a pérola:

"Não tento e nem quero agradar a todo mundo. Só não abro mão da minha privacidade. Quero sempre ter a minha privacidade."

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Parece que é isso. A garota passou 60 dias dentro "da casa mais vigiada do Brasil". Saiu, vai posar de fio dental no paparazzo e pelada na Playboy.

A única coisa que ela não abre mão é da privacidade.

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O mundo cada vez mais são e eu, agradecidamente, esquizofrênico.

sábado, 14 de janeiro de 2012

49 - Amigos

Nunca conheci o Armani mas só uso os seus jeans.

Calvin Klein eu não sei se é homem ou mulher, mas perfume, só os dele.

Diesel eu nem sei se é gente mas as camisetas são as melhores.

Camisa Social é só da Tommy, que deve ser uma garota muito bacana.

Se for polo eu gosto é de Lacoste, um jacaré muito simpático.

Com tantos amigos, quem precisa de amigos?

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

48 - Vem ser feliz...

O Slogan das Lojas Magazine Luiza: "Vem ser feliz."

Magazine Luiza é uma loja de departamentos que vende móveis e eletrodomésticos. Vou repetir o slogan:

"VEM SER FELIZ."

Será que foi só eu quem não entendeu esse slogan?

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

47 - (-) Poesia

A poesia acaba quando vejo que perdi meus melhores amigos para os piores empregos.

46 - Che

Ernesto "Che" Guevara sustentava que quem não sabia ler acabava sendo enganado de maneira muito fácil.

Eu tenho a ousadia de ir além.

Quem não sabe ler acaba sendo enganado muito facilmente. Fato. E quem sabe ler, mas não lê, tal qual o analfabeto, acaba sendo enganado sem dificuldade alguma.