quarta-feira, 15 de agosto de 2012

56 - Acabou

Acabaram as olimpíadas e eu não vi. 

Não vi o Brasil ganhar, não vi o Brasil perder, tampouco empatar. 

Não vi o Brasil se emocionar, não vi o Brasil se superar, não vi o Brasil chorar, não vi o Brasil triunfar, não vi o Brasil decepcionar. 

Simplesmente não vi.

Não vi o futebol, não vi o vôlei, não vi o atletismo, não vi a natação, não vi o tiro-ao-alvo, não vi a ginástica olímpica. 

Até ouvi falar de uma coisinha aqui, de uma medalhinha ali e de um vexamezinho acolá. Mas ver, não vi.

Não vi e não senti. Não senti nenhuma falta. 

E se tivesse visto também não teria sentido. Nenhuma emoção. 

Não ver em Londres é fácil. Quero ver não ver quando for aqui.

Vou fugir, rumo à estrela mais próxima. Vou ver a lua, de prata; o sol, de ouro.




55 - Otário

Por que o consumidor é sempre tratado como otário?

Porque, se não é, age como tal.

54 - Pirou

“Desce um combo de red e uma garrafa de tequila
Que hoje eu to pagando pra você e sua amiga
Aí as mina pira, e vai pirar
Quando eu falar que eu sou amigo do Neymar,
Que meu cartão é sem limite, hoje o bicho vai pegar
Aí as mina pira, e vai pirar..

Ai, ai, aiaiaiaiaiai ai, ai, aiaiaiaiaiai, ai, ai, ai
As mina pira no papai”

“As mina pira” da dupla Cacio e Marcos, sucesso nas baladas universitárias.



O horário certo eu não lembro, mas era por volta do meio-dia. O carro era uma saveiro branca, ano 2003 ou 2004. Foi em frente a uma escola municipal. Um adesivo gigantesco preenchia toda a traseira do automóvel, “as mina pira” dizia o plástico.

O que chamou a minha atenção foi a música que saía do poderoso sistema de som do carro, tal qual uma bomba, fazia o ar vibrar. Mas o que chamou mesmo a atenção não foi o volume, ensurdecedor, foi o conteúdo. A julgar pela quantidade de garotas que rodeavam o adolescente, 18 ou 19 anos, e seu veículo, acredito que o “combo” extravagância + mau gosto esteja fazendo sucesso pelas bandas de cá.

Confesso que tive vontade de ficar para observar se a música estava no “repeat”. Achei que seria muita coincidência eu estar passando bem na hora em que tocava exatamente o refrão que havia sido escolhido para adornar a lataria do carro. O medo de acabar também “pirando” foi maior, e segui meu caminho.

Essa música é o reflexo de uma juventude carente de idéias e referências, uma juventude cega, surda e, principalmente, muda.

Ao considerar que há alguns anos a juventude paquerava ao som de Roda Viva do Chico Buarque, eu chego a uma conclusão: não foram só as “mina” que piraram.


“A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva 
E carrega a roseira pra lá..."

"Roda Viva" de Chico Buarque, 3ª colocada no Festival da Música Brasileira em 1967.





terça-feira, 7 de agosto de 2012

53 - Todo o peso do mundo

Eu sinto todo o peso do mundo sobre os ombros. Dei-me conta, o futuro é como o horizonte, um logo ali que nunca chega. Enquanto isso os cabelos ficando brancos, a pele seca, a orelha que não para de crescer. O futuro é logo ali, falta apenas um livro a estudar, uma conta pra pagar e um mundo pra mudar. Preciso acabar com a miséria, lavar a roupa e secar o chão. Quero ainda meditar e pagar o aluguel, venceu segunda-feira. Seria bom, antes que o futuro chegasse, que os conflitos se resolvessem, que a paz - interior - se instaurasse. Preciso ainda aprender a falar francês, conhecer Pessoa e educar um filho. Nesse meio tempo, se der tempo, parar de perder tempo. Os pés no chão e todo o peso do mundo sobre os ombros. Os braços livres e o seu abraço, a minha boca, a sua língua. O nosso beijo. E o futuro chega, eu sento no horizonte. Todo o peso do mundo é tão leve com você. ;)

52 - Produtos!

Tenho certeza de que vivo em um mundo injusto. Todas as certezas absolutas não valem absolutamente nada em um mundo péssimo, tenho certeza. Mas, mesmo assim, me arrisco.

O mundo é cruel, vil, invejoso, amargo, hipócrita, mentiroso, frouxo, doente, covarde, bandido, inescrupuloso. Sim, péssimo.

Toda tecnologia do mundo está disponível, terabytes de informação viajando na velocidade da luz e não somos capazes de discutir os problemas mais fundamentais da nossa existência.Em algum momento o mundo desistiu de pensar.

Nossas cabeças servem cada vez mais de suporte para os óculos da moda, os chapéus da estação e, cada vez menos, para refletir, questionar, criticar.

Nos tornamos tão incapazes de lidar com interrogações que apelamos às exclamações químicas. Haja prozac para um mundo tão deprimido, tão deprimente.

Como seres humanos levamos milhares de anos para passarmos de coletores a produtores, mais um bocado e nos tornamos consumidores. Hoje somos meros produtos. Nossa vitrine é o facebook, nosso corpo o cabide. O slogan veio pronto.

Nossa condição de "produto" não nos permite vacilar em um mercado competitivo, o risco de ficar obsoleto e esquecido em uma prateleira de liquidação soa como pesadelo para maioria de nós. Assim, somos todos ao mesmo tempo em que não somos ninguém.

O filósofo John Locke defendeu a tese de que, ao nascer, somos uma "folha em branco", o que escrevíamos nessa folha, através das experiências, formaria o nosso "eu".

Desistimos de escrever.

Como produtos, aceitamos que nossa folha seja escrita, apagada, reescrita, rabiscada; tudo de acordo com a ilógica lógica de um mercado que produz em série.

As mulheres se preocupam com botox e com o tamanho dos seios. Os homens com as etiquetas de suas blusas. Tudo isso ao mesmo tempo em que o modelo dos carros que dirigimos pode dizer algo sobre quem somos.

Creio que essa preocupação em se vender afastou o ser humano de suas questões mais relevantes, dos problemas fundamentais. Não nos perguntamos o que somos, queremos apenas saber o que temos. Nos matamos em guerras que servem apenas para... (?!?!?!) Para que servem as guerras mesmo?!?

O ato mais revolucionário que um ser humano pode ter é reaver para si o pensamento crítico.

Não precisamos ter pressa em mudar o mundo mas, ao menos, não podemos ter dúvida, precisamos construir um mundo menos descartável.