quinta-feira, 27 de setembro de 2012

59 - Deixados pra trás

Quinhentos e trinta e sete amigos. Não era pouca coisa, logo a decisão não era fácil. Tudo bem que o facebook não tem muito critério. Conhecido, colega, parceiro, camarada, parente, professor, sogra e até ex-amigo. Pro facebook não tem erro, vira tudo amigo.

Não era algo que eu pudesse fazer sem pensar.

Meu suicídio virtual poderia fazer com que eu jamais voltasse a ver as fotos dos pratos que a minha prima de terceiro grau que eu não vejo desde 1993 - e não sinto falta - preparava.

Talvez eu nunca mais tivesse a inspiração dos momentos de sabedoria do Louro José que a minha ex-vizinha da casa de praia, vendida em 1998, adorava compartilhar.

Eu provavelmente não iria mais me deparar com a clara realidade de que, sim, minha ex-namorada é uma garota fútil.

A ausência do facebook certamente iria me impedir de participar dos entusiasmantes protestos virtuais. Eu ficaria de mãos atadas e nada poderia fazer pelos monges da Birmânia, pelos cachorros maltratados. A primavera árabe, definitivamente, perderia um guerreiro.

O suicídio virtual era uma opção extrema, uma fuga. Eu não podia me precipitar. Tinha muito que pensar.

E pensei.

E morri.

E hoje, vivo muito melhor.

58 - De índio?

O cara me avisou, era programa de índio.

Quando estava lá eu vi a tribo reunida. Homens com cabelos espetados, mulheres com suas pinturas de guerra. Os rituais eram os mesmos, garrafas nas mãos, cinturas no chão. A luz era baixa, a música alta, o gosto péssimo.

Refleti...

Que índio em sã consciência passaria uma noite linda como aquela trancado em um ambiente onde uma dupla sertaneja desafinava os últimos sucessos das baladas universitárias? Um lugar onde a urbanidade dos homens descia na mesma medida em que a vulgaridade das mulheres subia.

Cervejas e mais cervejas eram necessárias para evitar o surto esquizofrênico. Eu acompanhava os passos da pista, batendo com os pés no chão para não sucumbir à vontade de bater com a cabeça na parede.

Ao sair do local, respirar ar puro, e dar um descanso aos ouvidos eu garanti a mim mesmo, o próximo programa de índio eu só vou se for convidado por um índio de verdade - de cocar na cabeça.

Um programa de índio jamais poderia ser tão ruim quanto o que eu acabara de enfrentar.

57 - TEMpo.

O tempo.

O tempo é talvez o mais raro ativo existente na modernidade.

O tempo é paradoxo, ninguém o tem, mas estamos sempre o desperdiçando. Ao mesmo tempo tão escasso, sempre presente, sempre chegando, sempre passando. Indiferente, não se importa conosco, com nossas prioridades, necessidades. Tempo posto, logo reposto. Calmo, sem pressa, jamais se agonia, jamais se acelera.

Não temos uma hora para a família, um minuto para os amigos, um segundo para nós mesmos.

O que me preocupa é que o tempo não se recupera, o que passou já era; o que está pra vir, não espera; o que chegou, não para.

O tempo é democrático, igual para todos. Pobres, ricos, famintos, gulosos. Horas, minutos, dias, semanas, milésimos, segundos.

Não acredito que o problema seja desperdiçar o tempo.  O problema é o que deixamos de fazer com o tempo que não temos mais.

O dia em que soubermos respeitar o tempo, sobrará tempo para pensarmos melhor sobre o tempo.