segunda-feira, 10 de outubro de 2011

29 A Morte de Steve Jobs

A morte de Steve Jobs e a comoção causada no Facebook não me causam nenhuma estranheza. As mesmas pessoas que trocaram as fotos de seus perfis por desenhos, em forma de protesto, contra a violência infantil (?!?!?!) agora derruba lágrimas pelo recém falecido. Como observou um articulista do ramo de tecnologia "Steve Jobs é o John Lennon da nossa geração". Resumiu bem. Enterrou-se a geração do "ser" para dar espaço a geração do "ter".

Steve Jobs é um cara muito talentoso para os negócios e isso não se discute. E é com justiça que é tratado como um messias do mundo corporativo. Não criou o modelo atual de vender produtos, mas adubou e elevou a enésima potência. Uniu com maestria os conceitos de obsolescência percebida e obsolescência programada, sendo esta a estratégia da indústria de lançar produtos pouco duráveis de maneira a obrigar os consumidores a voltarem as lojas para adquirir novos. Já no que diz respeito a obsolescência percebida Jobs foi ainda mais perspicaz, sendo esta uma forma de diminuir a vida útil de um produto perfeitamente funcional e útil, fazendo pequenas - ou grandes - alterações estéticas e funcionais de maneira a deixar os modelos antigos com aspecto de ultrapassados. Não raro os consumidores das bugigangas da Apple trocam seus Iphones, Ipods e Ipads em perfeito estado a cada aparição de Steve Jobs - agora Tim Cook. Num ambiente de recursos finitos, aterros sanitários saturados e onde o lixo tecnológico é um problema essa prática é no mínimo contestável.

Além disso Steve Jobs fomentou um dos mais questionáveis modelos de negócio desse início de século XXI. Praticamente todos os componentes dos produtos da Apple são produzidos em sweatshops estabelecidas em países ditatoriais ou de democracia duvidosa. Sweatshops (literalmente "fábricas de suor") são as indústrias onde as condições de trabalho são inaceitáveis e perigosas. Salários irrisórios, trabalho infantil e jornadas desumanas são a regra. A Foxconn, uma das principais parceiras da Apple com fábricas na China e em Taiwan foi notícia mundial graças ao grande número de suicídios de seus funcionários em 2010. Entre Janeiro e maio do ano passado 16 funcionários se mataram, a maioria pulando das janelas da empresa - medida que a obrigou lacrar suas janelas com grades. Segundo o jornal The Telegraph do Reino Unido, a média mensal de cada trabalhador da empresa em 2010 foi de 100 horas semanais. “Embora todo suicídio seja trágico, a taxa de suicídio na fábrica é bem menor do que a média na China” - foi como Jobs tirou o corpo fora.

É inegável que a Apple de Jobs é vista pelos consumidores como uma empresa que tem a liberdade entre seus principais valores, mas a realidade é um pouco diferente do ideal criado pelo time de publicitários e designers da marca. Depois de mais de uma década longe da empresa, Jobs retornou a ela em 1997, mesmo ano em que a empresa lançou a campanha "Think Different" mostrando personalidades que mudaram o mundo com sua genialidade e rebeldia - Ghandi, Einstein e Lennon foram algumas delas. Porém o dia a dia e as práticas corporativas da empresa pouco remetem à liberdade. Segundo Leander Kahney, jornalista e autor de "A Cabeça de Steve Jobs", Jobs é um patrão centralizador e intransigente; o xingamento o castigo, humilhações públicas e demissões sumárias são parte de seu estilo de liderança. “Assim como Jobs é extremamente exigente com seus subordinados diretos, os gerentes de médio escalão exigem o mesmo nível de desempenho do seu pessoal. O resultado é um reinado de terror”. Além disso todo o conteúdo colocado dentro dos aparelhos passa necessariamente pelo controle da Apple, via ITunes ou App Store. Como se não bastasse, a empresa bane aplicativos não apenas pela linguagem, e sim pelo seu conteúdo. As versões digitais de revistas como Maxim, Vogue e Playboy passaram a ser censuradas. O messias Jobs falou em "proteger o mundo contra aplicativos ruins e pornografia". Na prática a Apple de Jobs escolhe o que você pode ou não consumir dentro de seus produtos pois inexiste meio legal de abastecer seus gadgets que não passe pelo crivo da empresa.

O jeito de fazer de negócio, anabolizado por Jobs, é o apogeu de um sistema em ruínas, e nesse sentido a "genialidade revolucionária" de Jobs deve sim ser contestada. O que devemos esperar de nossos gênios revolucionários? Jobs conseguiu que sua empresa obtivesse o maior valor de mercado com seus produtos descartáveis no mesmo momento em que se discute o futuro da sociedade. O colapso do sistema econômico ocorre concomitantemente ao colapso dos recursos naturais, não havendo nada mais irracional do que produzir gadgets e bugigangas que devem ser descartados e repostos a cada semestre para a manutenção da saúde de um negócio privado.

Cada geração tem o gênio que merece.
Saudade de Lennon.

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